sexta-feira, 23 de julho de 2010

A nova Lei do Direito Autoral protege o artista?

Ponto de vista

21/07/2010 - 23h11
 
A nova Lei do Direito Autoral protege o artista?

Proteção e transparência
Allan Rocha de Souza

O anteprojeto de lei, atualmente em consulta pública, é resultado das discussões e debates no Fórum Nacional de Direitos Autorais, em que todos os interessados - artistas, empresas, ECAD, pesquisadores - se manifestaram democraticamente. O mesmo, contudo, não pode ser dito da lei vigente (9.610/98). Em surpreendentes quatro meses (entre agosto e dezembro de 1997), após tempos adormecida nas gavetas do Congresso Nacional, em meio à campanha de reeleição e em plena crise econômica mundial, esta lei foi aprovada nas duas casas do Congresso.

O resultado foi uma legislação desequilibrada, inábil para dirimir conflitos em torno do tema, restritiva da cidadania e desvinculada da sociedade. E, por ser carente de legitimidade, impõe elevados custos sociais, semeia o confronto, projeta a injustiça e esvazia a segurança jurídica, atingindo o funcionamento do Estado de Direito.

O anteprojeto proposto busca corrigir estas distorções e traz inúmeros avanços que em muito superam possíveis deslizes. Dentre os destaques, três temas merecem atenção especial: as limitações e usos livres, as condições contratuais e a gestão coletiva.

Todos os direitos são limitados e não há no mundo jurídico direito absoluto. Os direitos autorais não são exceção. Durante toda sua história estes direitos foram limitados, tanto em sua duração quanto em sua extensão. Propõe-se, neste aspecto, a regulamentação de inúmeras situações corriqueiras, banais, tirando-as do limbo. Com isso, o anteprojeto assegura um espaço mínimo de livre circulação de bens culturais, necessário para a construção da cidadania cultural e promoção da sensibilidade artística.

Ao mesmo tempo, autores e artistas ganham maior proteção. O grande problema dos autores são as condições contratuais a que são submetidos pelas empresas de entretenimento, em razão do desproporcional poder econômico e jurídico destas. A proposta governamental fornece instrumentos aos autores e artistas que permitem sua libertação do regime contratual expropriatório a que estão sujeitos, introduz limitações à cessão e contempla a licença temporária de uso.

Os autores, artistas e toda sociedade ganham ainda com a transparência e supervisão das entidades de gestão coletiva. Sem obrigação legal e objetiva de transparência e sem um órgão supervisor, estas entidades tendem a abusar de suas prerrogativas, como infelizmente é o caso no Brasil, com o ECAD. Esta é uma lacuna que precisa urgentemente ser preenchida.

Uma legislação autoral deve regulamentar as diversas interfaces destes direitos e representar equitativamente os muitos e, por vezes, contraditórios interesses que nela se projetam. A proposta em consulta pública vai ao encontro destes objetivos ao propor uma legislação equilibrada, que merece todo o apoio dos que querem um país socialmente justo e culturalmente denso. A arte e a cultura agradecem!

Allan Rocha de Souza é doutor em Direito pela UERJ, professor e pesquisador em Direito Autoral e Civil na UFRJ.
 
Em defesa do autor da obra
 
Paulo Roberto Ulhoa

Encontra-se em discussão no Brasil o projeto de reforma da lei de direito autoral, Lei 9.610, que entrou em vigor em 1998 em substituição à Lei 5.988 editada em 1973, em pleno regime militar. A proposta do governo veio com a justificativa de modernização e da capacidade de harmonização entre os setores envolvidos - dos criadores e artistas, do acesso do público e dos investidores no campo autoral.

Infelizmente, sabemos que o processo de reforma legislativa no Brasil muitas vezes atende à prevalência das práticas clientelistas e discursos habilidosamente apresentados pelos governos e partes privilegiadas, criando uma certa "hipocrisia jurídica coletiva convencional".

A proposta do governo não avança tanto na questão da modernização - pois não se aprofunda no que se refere às novas tecnologias - e muito menos consegue harmonizar os setores envolvidos, uma vez que parcela da classe artística se diz alijada do processo originário de discussão.

Um avanço é a apresentação da proposta para consulta pública, dando efetiva publicidade ao processo. No entanto, o projeto de reforma chega com o discurso "pronto", tendo como ponto nevrálgico a tentativa de "harmonização" dos setores envolvidos com medidas de "controle estatal". Principalmente no que se refere às questões da gestão coletiva do Direito Autoral e o ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Execução Pública Musical. Segundo a proposta, caberá a um órgão federal exercer maior participação nas relações privadas envolvendo quem paga e quem recebe direito autoral.

Nada contra, aliás, conforme se  pronunciou o jurista Hildebrando Pontes Neto, que se proponha a   criação de um órgão que venha servir de consulta e assistência, ou seja, "uma verdadeira caixa de ressonância das reivindicações e dos debates autorais", como acontecia com o antigo Conselho Nacional de Direito Autoral, extinto no governo Collor. Mas cumpre ressaltar que a Constituição Federal dispõe em seu art. 5º que pertence ao autor o direito exclusivo sobre a obra que criar, e, dessa forma, o aproveitamento econômico não poderá sofrer qualquer forma de controle, sob pena de inconstitucionalidade.

A consulta pública vai até 28 de julho e cabe à sociedade participar de forma ampla e democrática, como fez a ABD capixaba na VI Mostra de Produção Independente realizada em Vitória, na semana passada. Categoria, inclusive, que garantirá, nos dizeres do representante do Governo federal presente no evento, a "permissão para exibir filmes, sem necessidade de autorização ou pagamento, desde que a atividade de difusão cultural, multiplicação de público, formação de opinião ou debate ocorra sem cobrança de ingresso".

Por fim, é preciso observar que o bem maior a ser protegido sempre deverá ser a obra de criação e o autor, para promoção do crescimento cultural de um povo e o desenvolvimento do país.   Quanto ao direito do público, cabe ao governo o desenvolvimento de políticas de acesso.

Paulo Roberto Ulhoa é advogado, mestre em Direito Constitucional e coordenador do Curso de Direito da Faculdade São Geraldo.

Nenhum comentário: